Um trabalho de campo no Vale do Jequitinhonha
reflexões metodológicas em um contexto de transição energética
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https://doi.org/10.20336/rbs.1081Palavras-chave:
relato de experiência, metodologia, sociologia da energia, Vale do Jequitinhonha, lítioResumo
Este artigo, em formato de relato de experiência, analisa os desafios metodológicos e epistemológicos da sociologia em contextos de transição energética, com base em trabalho de campo realizado em setembro de 2024 no Vale do Jequitinhonha (MG), região hoje promovida como “Vale do Lítio”. Motivada pela inquietação diante da marginalização da sociologia em debates sobre energia, frequentemente capturados por lógicas técnicas e saberes especializados, parto da hipótese de que as abordagens sociológicas tradicionais, ao compartimentalizarem as dimensões social e técnica, entram em crise diante da velocidade, tecnicidade e disputas territoriais que marcam a transição energética contemporânea. Para explorar as tensões entre teoria e prática, utilizei instrumentos de pesquisa como mapas geolocalizados, fotografias e caderno de campo, que sustentaram uma reflexão crítica sobre o cotidiano do trabalho empírico. Tomando o lítio como lente analítica, argumento que a transição energética, longe de ser um processo puramente técnico, materializa disputas simbólicas, territoriais e geopolíticas, exigindo da sociologia ferramentas capazes de dialogar com saberes técnicos sem abrir mão de sua densidade analítica. Concluo que, sobretudo em contextos periféricos como o brasileiro, a crise da sociologia pode converter‑se em oportunidade de renovação crítica, por meio de práticas interdisciplinares e situadas, ou mesmo de uma postura antedisciplinar, como sugere Sean Eddy, capazes de articular o social, o técnico e o político, enfrentando os paradoxos da transição energética em múltiplas escalas.
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