O que resta da subjetividade

sono, depressão e outras "resistências passivas" à subjetivação capitalista

Autores

  • Gabriel Peters UFPE

DOI:

https://doi.org/10.20336/rbs.979

Palavras-chave:

Capitalismo, Subjetividade, Sono, Depressão, doping

Resumo

Diversas perspectivas teóricas sustentam que a lógica sistêmica do capitalismo contemporâneo depende, no seu funcionamento cotidiano, de formas particulares de subjetividade. Da indústria midiática de conteúdo “motivacional” até o recurso a psicofármacos como instrumentos de otimização da própria conduta, são múltiplos os “dispositivos” mediante os quais os indivíduos buscam corresponder aos modelos de individualidade requeridos pelo capitalismo atual. A linguagem foucaultiana da “produção de subjetividades”, cujos méritos analíticos despontam em variados estudos sobre a “governamentalidade” neoliberal, tem razão em sublinhar o grau em que os modos de agir, pensar e sentir das subjetividades individuais são moldados por aqueles dispositivos na contemporaneidade. Por outro lado, fenômenos como o sono, o doping e a inação depressiva mostram que aqueles dispositivos subjetivantes encontram “protestos” orgânico-psíquicos e “resistências passivas” na própria subjetividade que procuram moldar. Mapeando tais dinâmicas conflitivas entre dispositivos e resistências, o artigo percorre quatro eixos argumentativos, cada um dos quais privilegiando uma contribuição autoral particular: as reflexões de Alain Ehrenberg sobre o recurso a drogas de alteração do estado de consciência como instrumentos de otimização do desempenho na “sociedade do doping”; as cogitações de Jonathan Crary sobre o sono como obstáculo à colonização completa da subjetividade pelo imaginário capitalista da atividade ininterrupta; a interpretação sistêmica e política da depressão como efeito estrutural do “realismo capitalista” formulada pelo crítico cultural Mark Fisher; e, finalmente, a análise da psicopatologia como “protesto” levada a efeito pela filósofa feminista Susan Bordo, central para a apreensão da ambiguidade inerente às “resistências passivas” discutidas no trabalho. 

Referências

Bauman, Zygmunt. (1998). O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Bauman, Zygmunt. (2001). The individualized society. Cambridge: Polity.

Bauman, Zygmunt. (2010). Vida a crédito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Boltanski, Luc, & Chiapello, Ève. (2007). The new spirit of capitalism. London: Verso.

Bordo, Susan. (1997). O corpo e a reprodução da feminidade: uma apropriação feminista de Foucault. In Susan Bordo & Alison M. Jaggar (orgs.). Gênero, corpo e conhecimento (pp. 19-41). Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos.

Crary, Jonathan. (2014). 24/7: capitalismo e os fins do sono. São Paulo: Cosac Naify.

Eehrenberg, Alain. (2000). La fatigue d’être soi: dépression et société. Paris: Odile Jacob.

Eehrenberg, Alain. (2010). O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa. Tradução de Pedro Fernando Bendassolli. São Paulo: Ideias & Letras.

Fisher, Mark. (2009). Capitalist realism. Winchester: Zero Books.

Foucault, Michel. (1977). Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes.

Foucault, Michel. (1988). História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.

Foucault, Michel. (2008). O nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes.

Frantzen, Mikkel Krause. (2019). A future with no future: depression, the left, and the politics of mental health. Los Angeles Review of Books, December 16. Recuperado de: https://lareviewofbooks.org/article/future-no-future-depression-left-politics-mental-health/

Graeber, David. (2018). Bullshit jobs: a theory. New York: Simon & Schuster.

Han, Byung-Chul. (2015). Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes.

Hedva, Johanna. (2020) Sick woman theory. Recuperado de: https://johannahedva.com/SickWomanTheory_Hedva_2020.pdf

Honneth, Axel. (2004). Organised Self-Realization: Some Paradoxes of Individualization. European Journal of Social Theory, 7 (4), 463-78.

Horwitz, Allan, & Wakefield, Jerome. (2007). The loss of sadness. Oxford: Oxford University Press.

Karp, David A. (1997). Speaking of sadness: Depression, disconnection, and the meanings of illness. Oxford: Oxford University Press.

Kramer, Peter. (1994). Listening to Prozac. New York: Viking.

Le Breton, David. (2018). Desaparecer de si: uma tentação contemporânea. Petrópolis: Vozes.

Leader, Darian. (2009). The new black: mourning, melancholia and depression. London: Penguin Books.

Lemke, Thomas. (2011). Critique and experience in Foucault. Theory, Culture & Society, 28 (4), 26-48.

Meltzer, Howard, Bebbington, Paul, Brugha, Traolach, Jenkins Rachel, McManus, Sally, & Dennis Michael. (2011). Personal debt and suicidal ideation. Psychological Medicine, 41(4), 771-8.

Peters, Gabriel. (2021). O novo espírito da depressão: imperativos de autorrealização e seus colapsos na modernidade tardia. Civitas, 21 (1), 71-83.

Plath, Sylvia. (2019). A redoma de vidro. Rio de Janeiro: Biblioteca Azul.

Ratcliffe, Matthew. (2015). Experiences of depression. Oxford University Press.

Rose, Nikolas. (1999). The powers of freedom. Cambridge: Cambridge University Press.

Vandenberghe, Frédéric. (2002). Working out Marx: Marxism and the end of the work society. Thesis Eleven, 69, 21-46.

Zizek, Slavoj. (1999). ‘You may!’. London Review of Books, 21 (6), 3-6.

Downloads

Publicado

02/05/2024

Como Citar

Peters, G. (2024). O que resta da subjetividade: sono, depressão e outras "resistências passivas" à subjetivação capitalista. Revista Brasileira De Sociologia - RBS, 11(29), 177–200. https://doi.org/10.20336/rbs.979